14 de dez. de 2008

Capitu soundtrack: Gustavo Rios e literatura com trilha sonora

Porque o amor é uma coisa feia. E a gente escreve o que vive. Relacionamos a música com a cena. E vez ou outra, apertamos o "play" e deixamos o frasco de perfume exalar.

Meus discos: um boticário de lembranças.

Se já escrevi algum texto que merecesse o título "conto", quase sempre vivi uma trilha sonora. Sou suspeito pra falar. Ganhei de presente aos cinco anos uma coleção de contos de Hans Andersen para serem lidos com uma fita K-7. Eram músicas clássicas da Disney. Contos "escrotinhos". Meu lance de literatura com trilha sonora começou aí.

Mas esse post é sobre o livro do cara: "O amor é uma coisa feia", de Gustavo Rios, Ed. 7 Letras.

Além do estilo genuíno, percebi o apuro na escrita. É Literatura que gostaria de ler, de conhecer o autor que escreveu, trocar umas idéias e beber uma cerva. Ou, simplesmente, admirar de longe, sentar ao seu lado, ficar em silêncio, e depois, apertar sua mão e ir embora.

Percebi ternura naquilo tudo. Escreveu o que viveu. Pois "todo exorcismo/ tem de ser pessoal/demônios domados/nunca têm/tanta graça (...)".

Esse é o autor. Que cita o poeta Lupeu Lacerda. Parece que era preciso ter escrito. E nós, leitores, precisamos de escritores sinceros e com muita vontade de deixar as estórias no ponto. Reconheço isso nos formatos. Verdadeiros contos modernos. Literatura que me identifico. Como se diz e abre-se aquela pausa, "porra, na boa, é melhor que meus textos; é coisa fina".

O campo gravitacional é o amor. Que muitas vezes declaramos sem sentí-lo, sem significá-lo e apostamos em nome desse "troço".

Não é uma coisa feia. Apesar de algum cinismo, é intenso. Em todos os contos fiz comentários de rodapé, pois não aguentei. Tinha que reler aquela vida de novo. Entre os grifos de supetão da minha boca suja, repetem-se "do caralho!".

Com efeito: o são. Muito apurados. Prazeirosos de se ler e de imaginar as cenas; tal como em "PALE BLUE EYES":

"Os olhos dele, de uma vivacidade pertubadora, estavam nulos. Os braços, que apesar de finos, frágeis, desenhavam círculos, formas estranhas no ar, quando conversavam sobre a vida, os discos, sobre os amigos, a próxima "trip", talvez num réveillon, regado a álcool, boa música, eles dois juntos. O peito, também fraco, quase arco, mostrava-o quase pelo avesso, quase, dentro a porra dum coração, que disparava ao som de um rock das antigas, aquele som, meu velho, aquela velha, única e boa canção, meu velho. O rosto, já com algumas marcas do tempo, das baladas (sempre os dois, juntos, ele e ela, no mesmo ritmo louco, juntos), estava sumindo, branco como as paredes e os lençóis pretensamente limpos daquele hospital."


É preciso escutar esse disco. Sem exagero. Estórias que gostaria de ter escrito. As referências? "The Doors", "Kerouac", "Bukowski", e muita, muita vida, suor, colchões morninhos depois daquela foda desonesta...

Pode-se garimpar seus novos textos na "Verbo21". Vale o garimpo no "google" e por aí. Tem muita força no que escreve e deve ser cultuado. É genuíno. É isso que espero de um escritor. Na boa.

Mais um comentário sobre literatura com trilha sonora: Minissérie "Capitu", da obra de Machado...

Eu poderia elogiar todos os atores, as atrizes de "Capitu"; enigmáticas, lindas; acompanhei com "Dom Casmurro" no colo. Boas cenas, boas paragens.

Mas fico na música.

A trilha está impecável. Riff´s do "Black Sabbath", "Money" do Pink Floyd, "Iron Man", entre outras referências do cinema... Gostei das camadas. E a música "tema", Elephant Gun, banda Beirut, uma valsa-cigana, que vai num crescente perfeito; pois digo ao modo José Dias: casadíssima com a trama de Machado.



O amor e seus caminhos sem volta. O ciúme. A dúvida que consome. Pois "um amor desmorona, corrói duas pessoas. Vai matando aos poucos: ferrugem e salitre em nossas cabeças adultas". (trecho do conto "Pastel de Carne" de Gustavo Rios).

E mais:

"Uma impressão. A de que, em algum momento do meu passado preto-e-branco, deixei minha vida quando via algo bastante sedutor num livro. Ali, depois de ter lido algumas linhas perversas (e sedutoras como uma canção do Tom Waits), deixei de ser o que realmente sou, tornei-me um corpo inabitado. Sempre buscando completude. Dessa forma, ainda espero te dizer duas coisas; eu te amo, e foda-se". (Trecho do conto "Duas Coisas", livro "O amor é uma coisa feia, Gustavo Rios, Ed. 7 Letras).

9 comentários:

Anônimo disse...

meu velho. sem ondas: a melor resenha, o melhor jeito, a melhor visão que tiveram do meu livro. quando todo, ou quase, chamavam o livro de tristonho, vc pegou a intensidade, o jeito. a pegada. enfim. obrigado.

Diogo Costa disse...

Até digo mais: com a força que foi escrito, aqueles personagem são tão apaixonados quanto bem feitos. Não são "desacreditados do amor", ao contrário; sabem o que é amor, mas, dizem o que não é. Essa é a diferença. rs.
Como leitor, eu que agradeço. Por mais que as verdades doam, é o que quero ler e escrever. Orgulho da porra de conviver com isso. Abração cara.

Anônimo disse...

Parabéns aos dois: puta livro e puta resenha! Tua escrita dança sinuosa, Diogo. E este ir e vir sem violência abrem significados de vida e arte e Arte e Vida. O que eu tinha pra falar pro Gustavo a respeito do livro eu já falei.
Abraços.

Diogo Costa disse...

Valeu Lima,

Abraço

anjobaldio disse...

Puta blog! Grande abraço Diogo.

anjobaldio disse...

Obrigado por tua visita lá no anjo baldio. Grande abraço.

Daniel Souza disse...

Já desisti de tentar entender o "não entendimento", a "não captação", a essência das pessoas quando se deparam com determinados livros.

A mesma confusão, achismo se deu com " O Adorador", do Zeca Fonseca ( pra quem não leu, recomendo ), no qual leitores(?) julgam, rotulam e metem o pau sem nem se preocuparem em, ao menos, tentar entender o que o autor quis/quer passar.

"Achei" esse blog navegando e adorei. Já foi pro favoritos.
Forte abraço.
Daniel

Diogo Costa disse...

Beleza Daniel, valeu pela visita.

Quanto a esse lance, depende do dia também, do olhar... Alguns livros chegam a saltar aos olhos, mas, em outros, vezes nos fixamos nas cenas, em temas, e não questionamos outras camadas ou o que quer dizer de fato. "Debaixo dessa neve mora um coração".

Abraço!

Anônimo disse...

Gostaria de saber de vcs. Qual o significado do tema do livro. O amor é uma coisa feia? Muita boa a resenha!!!