Meus discos: um boticário de lembranças.

Além do estilo genuíno, percebi o apuro na escrita. É Literatura que gostaria de ler, de conhecer o autor que escreveu, trocar umas idéias e beber uma cerva. Ou, simplesmente, admirar de longe, sentar ao seu lado, ficar em silêncio, e depois, apertar sua mão e ir embora.
Percebi ternura naquilo tudo. Escreveu o que viveu. Pois "todo exorcismo/ tem de ser pessoal/demônios domados/nunca têm/tanta graça (...)".
Esse é o autor. Que cita o poeta Lupeu Lacerda. Parece que era preciso ter escrito. E nós, leitores, precisamos de escritores sinceros e com muita vontade de deixar as estórias no ponto. Reconheço isso nos formatos. Verdadeiros contos modernos. Literatura que me identifico. Como se diz e abre-se aquela pausa, "porra, na boa, é melhor que meus textos; é coisa fina".
O campo gravitacional é o amor. Que muitas vezes declaramos sem sentí-lo, sem significá-lo e apostamos em nome desse "troço".
Não é uma coisa feia. Apesar de algum cinismo, é intenso. Em todos os contos fiz comentários de rodapé, pois não aguentei. Tinha que reler aquela vida de novo. Entre os grifos de supetão da minha boca suja, repetem-se "do caralho!".
Com efeito: o são. Muito apurados. Prazeirosos de se ler e de imaginar as cenas; tal como em "PALE BLUE EYES":
"Os olhos dele, de uma vivacidade pertubadora, estavam nulos. Os braços, que apesar de finos, frágeis, desenhavam círculos, formas estranhas no ar, quando conversavam sobre a vida, os discos, sobre os amigos, a próxima "trip", talvez num réveillon, regado a álcool, boa música, eles dois juntos. O peito, também fraco, quase arco, mostrava-o quase pelo avesso, quase, dentro a porra dum coração, que disparava ao som de um rock das antigas, aquele som, meu velho, aquela velha, única e boa canção, meu velho. O rosto, já com algumas marcas do tempo, das baladas (sempre os dois, juntos, ele e ela, no mesmo ritmo louco, juntos), estava sumindo, branco como as paredes e os lençóis pretensamente limpos daquele hospital."
É preciso escutar esse disco. Sem exagero. Estórias que gostaria de ter escrito. As referências? "The Doors", "Kerouac", "Bukowski", e muita, muita vida, suor, colchões morninhos depois daquela foda desonesta...
Pode-se garimpar seus novos textos na "Verbo21". Vale o garimpo no "google" e por aí. Tem muita força no que escreve e deve ser cultuado. É genuíno. É isso que espero de um escritor. Na boa.
Mais um comentário sobre literatura com trilha sonora: Minissérie "Capitu", da obra de Machado...
Eu poderia elogiar todos os atores, as atrizes de "Capitu"; enigmáticas, lindas; acompanhei com "Dom Casmurro" no colo. Boas cenas, boas paragens.
Mas fico na música.
A trilha está impecável. Riff´s do "Black Sabbath", "Money" do Pink Floyd, "Iron Man", entre outras referências do cinema... Gostei das camadas. E a música "tema", Elephant Gun, banda Beirut, uma valsa-cigana, que vai num crescente perfeito; pois digo ao modo José Dias: casadíssima com a trama de Machado.
O amor e seus caminhos sem volta. O ciúme. A dúvida que consome. Pois "um amor desmorona, corrói duas pessoas. Vai matando aos poucos: ferrugem e salitre em nossas cabeças adultas". (trecho do conto "Pastel de Carne" de Gustavo Rios).
E mais:
"Uma impressão. A de que, em algum momento do meu passado preto-e-branco, deixei minha vida quando via algo bastante sedutor num livro. Ali, depois de ter lido algumas linhas perversas (e sedutoras como uma canção do Tom Waits), deixei de ser o que realmente sou, tornei-me um corpo inabitado. Sempre buscando completude. Dessa forma, ainda espero te dizer duas coisas; eu te amo, e foda-se". (Trecho do conto "Duas Coisas", livro "O amor é uma coisa feia, Gustavo Rios, Ed. 7 Letras).